quarta-feira, 8 de abril de 2020

Sobre Guerra e Beleza

Provavelmente poucos entre nós passaram por uma guerra.

Mas não seria de todo inadequado fazer um paralelo entre o que estamos vivendo com o COVID19 e um conflito bélico. Mundial, ainda por cima.

Esse tema pode ser visto, analisado, psicanalizado, politizado, poetizado pelos inúmeros ângulos em que ele nos afeta. 

Um desses ângulos, e sobre o qual eu quero falar aqui, é o da nossa relação com o belo.

Quando o medo, a impotência, a solidão, a privação e mesmo a raiva nos põem contra o muro assim, é preciso buscar um sentido. E um desses possíveis sentidos é o belo.



O belo natural, de uma flor perfeita em sua delicadeza, por exemplo, nos lembra da perfeição da natureza. Da harmonia em que ela existe. E exige ser tratada.

O belo produzido pelo homem nos lembra do poder - como que divino? - que temos de criar beleza. De conceber com a mente e executar com as mãos algo que nos afague os sentidos, nos emocione e, ao nos emocionar, nos una. Algo que - sobretudo? - nos faça ter esperança na humanidade. Afinal, a mesma espécie que estupidamente destrói, mata e guerreia é também a que é capaz de compor músicas, pintar quadros e escrever poesias que atravessam gerações.



Arranjos de flores são um encontro do belo natural com o belo criado pelo homem. 
Os arranjos da Metaflora NYC, studio de design floral de Nova Iorque são lindíssimos!

Daí que em épocas de guerra ou pandemias, recursos ficam escassos. É quando outra dádiva (e conquista) humana entra em ação (nos dando outro fio de esperança em nossa espécie): a inteligência, a sensibilidade, a criatividade, que nos impelem a ressignificar, readaptar,  rever o que temos à disposição até, ufa!, darmos a mão para a beleza de novo.

Na moda, o período das guerras mundiais assistiu mulheres pegarem cortinas e drapearem em torno do seu corpo, já que seria infame ou até impossível comprar metros de tecido para fazer um belo costume.

                           

Na foto da esquerda, o vestido, da década de 40, alemão ou francês, é feito de rayon e um pesado veludo, este último provavelmente retirado de uma cortina. Nesse site você pode ver mais sobre a moda em tempos de guerra.

Na foto da direita Scarlett O'Hara, usa vestido também feito a partir de cortinas para visitar Rhett Butler na prisão.

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Alguns dos primeiros acessórios que fiz foram inspirados no período das guerras. Fui convidada para fazer o figurino de um espetáculo musical que revisitava vários períodos da música no século XX e para a década de 40 quis trazer adornos feitos de algo ressignificado. Algo que não pertencesse originalmente ao universo da moda mas que, revisto, pudesse efetivamente embelezar uma mulher.

Como sempre me senti em um parque de diversões em ferragistas - a estética industrial sempre me atraiu muito - decidi usar porcas e parafusos. Quando descobri que elas também eram feitas em latão e não só de ferro, me encantei. "Ainda por cima douradas!", pensava. Não à toa acabaram virando parte da identidade do ateliê e até hoje produzimos peças com essas ferragens, à primeira vista tão brutas e desprovidas de beleza.

Coleção Insustentável Leveza, 2010.

            
Coleção Insustentável Leveza, 2010.

Coleção Insustentável Leveza, 2010.


Também fiz uma linha com ferragens de bolsas e cintos, com a mesma idéia. Como se esses acessórios com propósito puramente funcional se rearranjassem para enfeitar um pescoço, um punho.


Coleção Insustentável Leveza, 2010.


                                      Bracelete porcas, coleção Insustentável Leveza, 2010.


Mais tarde, na primeira coleção produzida em bancada de ourivesaria, quis usar britas, ao invés de pedras sintéticas ou naturais "valiosas" lapidadas.

Coleção Tour de Force, 2011






Coleção Tour de Force, 2011


Coleção Tour de Force, 2011

Até hoje olho para essas peças e gosto demais delas. Além de esteticamente ainda fazerem - muito - sentido pra mim - acho o contraponto da orquídea toda texturizada manualmente, cheia de "evidências da mão humana" com a brita, dura, bruta, extremamente poético.

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Como eu disse, a porca acabou se tornando parte do DNA do Ateliê. Abaixo algumas peças que ainda fazem parte do nosso mix! 








Então se por um lado a situação que estamos ultrapassando me causa tristeza e apreensão, por outro estou curiosa para ver como nos reinventaremos, como reinventaremos o belo. 

Sempre gostei de desafios.


Se você quiser mais informações sobre estas peças, que podem ser entregues pelo serviço Concièrge EH, clique aqui. 







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